Aquela mulher...

Ela anda toda torta pela rua, como se já tivesse tido um derrame. Mantém três cadelas vira-latas em um espaço de 28m2 onde mora. Cada vez que a vejo na rua, lá está a mulher com uma de suas três companheiras no entediado passeio diário e triste. Sempre cabisbaixa, como se algo tivesse sido arrancado de seu peito com força. É de meia idade, solitária e evangélica. Passa a impressão de ser um vulcão em erupção, que fora selado por um grande meteoro, ao longo de sua existência. Apesar de todos os disfarces ela exala sexo. Uma percepção sutil de que ela se deixara represar por desilusões e acabara por se refugiar em uma religião que justifica toda sua repressão. Daí veio a somatização de suas penúrias, o andar trotado, o olhar esbugalhado, as palavras ditas para ninguém – a não ser os seus demônios interiores – enquanto caminha com uma de suas cadelas feias e desengonçadas. O único vestígio que deixa perceptível de sua identidade conflituosa é a bermuda curta que usa ao sair. E para quem é capaz de ler tênues sinais, é como uma espécie de pedido de socorro. Uma derradeira tentativa de codificar a vida que ela própria se nega.

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